Buscando a adequação a Lei Federal 10.216, que trata sobre a reforma psiquiátrica, a Secretaria Municipal de Saúde de Garça, em consonância com a política de Saúde Mental do Ministério da Saúde, segue atuando para a desinstitucionalização dos pacientes psiquiátricos, proporcionando a estes, acompanhamento em regime ambulatorial, longe do cenário dos ?manicômios?, felizmente já extintos na nossa região.
De acordo com a psicóloga Talita de Alencar, responsável técnica pelo setor de Saúde Mental e Atenção Psicossocial em Garça, a lei tem como maior objetivo, a reinserção social do paciente psiquiátrico.
?A lei, dentre outras coisas, prevê que os pacientes institucionalizados, ou seja, internados há longos períodos em hospitais psiquiátricos, sejam beneficiados com uma política específica. Nesse cenário se insere o que chamamos estratégia para desinstitucionalização dos moradores de hospitais psiquiátricos?, destacou a psicóloga.
Talita também destacou que em Garça, os que necessitam de um acompanhamento na área de Saúde Mental, encontram respaldo desde a Atenção Básica, com o trabalho realizado pelas Unidades de Saúde da Família (USFs); também nos CAPS (Centro de Acompanhamento Psicossocial), na Unidade de Pronto Atendimento (UPA), além do atendimento na atenção terciária.
?Em Garça, ainda existe o Hospital Irmã Valentina Canton, que não recebe novas internações, mas atualmente abriga 33 moradoras, ambas hospitalizadas há vários anos, sendo a grande maioria sem nenhum vínculo familiar?.
Segundo a psicóloga, em 2014, quando foi realizado o último censo da atenção psicossocial no estado de São Paulo, cerca de 50% dos leitos em hospitais psiquiátricos estavam ocupados por pacientes crônicos e moradores.
?O tratamento moral e em regime asilar foi durante muito tempo a prática que vigorou, até por isso as internações se estendiam por tantos anos. No entanto, está comprovado que as internações de longa permanência nunca beneficiaram, e continuam não beneficiando de maneira alguma os portadores de sofrimento psíquico?, frisou ela.
?A necessidade do processo de desinstitucionalização, vem do fato de que esses moradores ao passarem 20, 30 anos ou mais dentro da instituição, sofrem com o abandono familiar e da sociedade, o que acarreta prejuízos significativos e irreversíveis. Estando comprovado que esses danos se dão mais em virtude da institucionalização (estrutura do serviço e do cuidado ofertado), do que pela própria doença?, ressalta a coordenadora.
Institucionalização: um sintoma de doença
A psicóloga afirma que a institucionalização pode ser entendida como sintoma de uma doença. Reiterando que nesse contexto soma-se à estrutura hospitalar, a falta de convívio social, as aberrações comportamentais vividas em conjunto por pacientes com diferentes graus de comprometimento.
De maneira muito chocante, Talita coloca a institucionalização como um processo de desumanização do paciente, com perda de habilidades próprias ao ser humano.
?O que se percebe é que a exclusão e o confinamento levam a cronificação ou instalação de fato da condição de loucura. Os pacientes tornam-se incapazes de querer, desejar, entender, perdem sua individualidade, sua vaidade, suas expectativas e a própria capacidade de pensar, sentir e agir com racionalidade. E é válido lembrar que é essa a imagem da loucura que perdura na sociedade?, disse Talita.
Nesse processo de desinstitucionalização é imprescindível a conscientização da sociedade, no sentido de compreender que o preconceito que se tem com a doença e o doente mental advêm, portanto, da condição de institucionalização e não daquilo que a doença e o doente representam, de fato.
?Muitas vezes, eu diria a maioria delas, as pessoas taxam o doente mental de louco, incapaz, sem ao menos saber o que de fato ele tem. Um estigma que existe simplesmente pelo fato dele ser interno ou ex-interno de um hospital psiquiátrico. O doente mental sofre com a marginalização, pois a ele só creditam coisas ruins. A reabilitação social torna possível a reversão desse cenário, pois reconhece as potencialidades do doente mental, muitas vezes pouco valorizadas?, disse ela, finalizando seu pensamento com o que disse a pesquisadora, escritora e antropóloga Denise Dias Barros, em seu artigo ?Cidadania versus periculosidade social: a desinstitucionalização como desconstrução de saberes?.
?É necessário desconstruir não apenas as instituições manicomiais, mas também as ideias, as noções e os preconceitos que as acompanham e modelam, e que são parte do imaginário mesmo daqueles que, conscientemente, desejam destruí-la?, afirmou Talita de Alencar.